quarta-feira, 25 de julho de 2007

Teosofia - Introdução


“Teosofia: sabedoria-religião, ou ‘Sabedoria Divina’. O substrato e a base de todas as religiões e filosofias, ensinadas e praticadas desde que o Ser Humano se tornou consciente. No seu sentido mais prático, Teosofia é puramente ética divina.”

H.P. Blavatsky in "Glossário Teosófico" (1892)


A Teosofia (do Grego “Sabedoria de Deus”) designa um conjunto de ideias que remontam à Grécia Antiga, e que foram reformuladas no séc. XIX para definir uma nova filosofia religiosa. A ideia-chave da Teosofia é a de que todas as religiões são igualmente válidas porque têm como objectivo comum aproximar o Ser Humano do Absoluto, pelo que contêm em si mesmas uma pequena parte da Verdade.


Breve História da Teosofia


As raízes da Teosofia encontram-se em todas as culturas que procuraram o conhecimento espiritual, desde a Índia até à Grécia, e também nas obras de Platão (427-347 a.C.) e dos Neo-Platonistas como Plotino (205-270 e.C.) e Jakob Böhme (1575-1624). A Teosofia moderna surgiu com Helena Petrovna Blavatsky (1831-1891), que em 1875 fundou a Sociedade Teosófica, juntamente com Henry Steel Olcott.


A senhora Blavatsky era uma pessoa viajada que alegava ter poderes psíquicos e espirituais. A sua primeira grande obra, “Isis Revelada” (1877), apresenta elementos da sabedoria Ocidental, recolhidos na Ásia, Europa e Médio Oriente. Por outro lado, o seu segundo livro, “A Doutrina Secreta” (1888), baseia-se no Budismo esotérico e no Hinduísmo. Ambas as obras se tornaram nos pilares do movimento Teosófico, além das “Cartas de Mahatma”, que teriam origem em seres humanos com elevado grau de desenvolvimento e que serviriam para orientar a Sociedade Teosófica.Com a morte da senhora Blavatsky em 1891, a Sociedade Teosófica fragmentou-se em dois grandes grupos: um na Índia, liderado por Annie Besant, e o outro em Nova Iorque, orientado primeiro por Qilliam Quan Judge e que viria mais tarde a ser alvo de novas divisões. Rudolf Steiner criou um dos mais bem sucedidos descendentes da Sociedade original, a Sociedade Teosófica Adyar na Alemanha, que mais tarde viria a tornar-se na Sociedade Antroposófica, essencialmente voltada para o esoterismo Ocidental com influências cristãos (já um pouco distante das ideias originais da senhora Blavatsky). Outros grupos dissidentes viriam ainda a surgir no Reino Unido e nos Estados Unidos.


O lema da Sociedade Teosófica permaneceu imutável, desde a sua fundação até aos dias de hoje:


"NÃO HÁ RELIGIÃO SUPERIOR À VERDADE"


O símbolo da Sociedade combina vários elementos de diversas origens culturais: a estrela de David (do Judaísmo e do Cristianismo), a suástica (símbolo de bem-estar e boas-vindas no Hinduísmo e no Budismo), o ankh (hieroglifo egípcio que simboliza a Vida) e o ouroboros (a serpente ou dragão que morde a própria cauda, símbolo dos infinitos ciclos de morte e renascimento).


Os objectivos da Sociedade Teosófica, descritos por H.P. Blavatsky em “A chave para a Teosofia” (1889), são os seguintes:


1. Formar um núcleo da Fraternidade Universal da Humanidade, sem distinção de raça, religião, sexo, casta ou cor.


2. Encorajar o estudo de Religião Comparativa, Filosofia e Ciência.


3. Investigar as leis da Natureza que permanecem por explicar,assim como os poderes latentes existentes no Ser Humano.


Princípios Básicos da Teosofia


- A Consciência é Universal e Individual. Na Natureza nada acontece por acaso. Tudo obedece a leis que fazem parte de um paradigma universal. Tudo que existe, vivo ou não vivo, é feito da mesma “matéria”, cujas construções evoluem no sentido da
Consciência.


- O Ser Humano é temporariamente imortal. Todos os seres humanos, na sua mais elevada forma, são imortais. As suas personalidades, os seus egos desconhecem a ligação à sua natureza espiritual e eterna, e por isso acabam por morrer.


- A Reencarnação é Universal. As pessoas atingiram o estado humano depois de muitas encarnações, onde foram minerais, vegetais e depois animais antes de serem humanos. No entanto, os seres humanos não podem voltar a encarnar em vegetais ou animais, excepto em casos raros de “almas perdidas”. As pessoas são apenas o estado máximo da evolução no que diz respeito à existência física na Terra, mas são apenas um passo na evolução espiritual, que inclui etapas superiores como os Seres Búdicos ou os Dhyan-Chohans (os “Arquitectos do universo”).


- O Karma é a Lei Universal da Justiça Retributiva, que determina como e quando cada ser vai reencarnar. Cada indivíduo é por isso responsável pela situação em que se encontra em cada momento da sua vida, pois essa situação resulta do Bem ou do Mal que esse indivíduo praticou em vidas passadas. No entanto, como referiu Blavatksy, “Não são as injustiças ou os erros do Karma que provocam o que parece ser ‘infelicidade não merecida’, mas antes outras causas, independentes do Karma quer do que actua quer do que é vítima do acto, novas acções geradas pela perversidade do ser humano e das circunstâncias”. Se o sofrimento é causado agora, haverá compensação para isso no Futuro. Temos o livre arbítrio para tornar as nossas vidas melhores ou piores AGORA. Fazemos o nosso Karma no Presente tanto quanto o fizemos no Passado.


- Universalidade: Tudo tem uma origem divina. Todas as coisas são mónadas, partículas elementares únicas que possuem os mesmos princípios, e cujas formas e natureza são uma expressão do seu actual estado de consciência.


- Evolução: A religião, a filosofia, a ciência, as artes, o comércio e a filantropia, entre outras actividades, contribuem para uma aproximação progressiva do Ser Humano ao Absoluto. Os planetas, sistemas solares e galáxias são seres conscientes que, como as pessoas, seguem o seu próprio caminho evolutivo.As unidades espirituais do Universo são as mónadas, que em alturas diferentes se podem manifestar como planetas, anjos, seres humanos, e em muitas outras formas. A Humanidade, como tem acontecido noutras partes do Universo, desenvolve-se em ciclos de 7 eras. Na primeira era, os humanos eram puro espírito. Na segunda era, tornaram-se conhecidos como Hiperboreanos. Na terceira, como Lemurianos. Na quarta, como Atlanteanos. A queda de Atlântis foi o seu ponto mínimo, e agora, na quinta era, é altura de recuperar as qualidades psíquicas da Humanidade.


- O Septenário: Como outros grupos esotéricos e sociedades ocultas, a Teosofia defende que i Universo se encontra ordenado pelo número Sete. A mónada, unidade que reencarna, possui duas componentes espirituais que resultam da soma de Sete entidades humanas: Sthula-Sarira (o corpo físico), Linga-Sarira (o corpo astral), Prana (o sopro da Vida), Kama (o desejo), Manas (o ego), Buddhi (o espírito) e Atman (a consciência universal).


Mais do que uma “colagem” de ideias do misticismo Ocidental e Oriental, a Teosofia defende um verdadeiro estudo da espiritualidade do Ser Humano, fugindo a qualquer rótulo cultural ou religioso que possa macular o movimento com ideias pré-concebidas. Eis como se define este movimento singular, nas palavras de alguns dos seus mais célebres adeptos:


“A Teosofia é aquele oceano de conhecimento que banha os litorais da evolução dos seres conscientes; imensurável nas suas regiões mais profundas, mostra às grandes mentes o seu verdadeiro alcance; e com águas superficiais junto à praia, para não oprimir a compreensão de uma criança.”

William Q. Judge in O Oceano da Teosofia, 1893


“A Teosofia não crê em milagres, divinos e demoníacos. Reconhece que nada é sobrenatural. Acredita apenas nos factos e na Ciência, no estudo das leis da Natureza, ocultas como evidentes, mas dando especial atenção às ocultas.”

H.P. Blavatsky in “Fenómenos Ocultos” (1880)


“Dogma? Fé? São os pilares da Teologia opressora de almas. Os Teósofos não têm dogmas, nem fé cega. Os Teósofos estão sempre preparados para abandonar cada ideia que se demonstre estar errada pela lógica dedutiva. Conscientes da impossibilidade de capturar a Verdade Absoluta, os Teósofos repudiam todas as alegações de infalibilidade. Os mais venerados preconceitos, a mais piedosa esperança, a mais forte paixão, são varridos do caminho teosófico, quando o seu erro é demonstrado.”

H.P. Blavatsky in “Uma Sociedade sem Dogma” (1877)


“A Teosofia descreve, tanto quanto possível de forma científica e impessoal, a natureza do processo evolutivo no qual todos vivemos, nos movemos, e onde temos a nossa existência. Descreve o Passado. Explica o Presente. Traça uma imagem do Futuro. E dá liberdade a cada indivíduo para utilizar tanto dessa descrição quanto quiser, deixando ao seu critério julgar aquilo que lhe é útil e aquilo que, no presente, não tem para si qualquer significado.”

George Arundale, in “Você, a Teosofia e a Sociedade” (1935)


“A filosofia teosófica é antiga. Vem de tempos imemoriais. É uma tradição universal. Hoje estudamo-la de uma forma sistemática. Podemos chamá-la um conjunto de ensinamentos.[…] A Teosofia não foi criada pelo Homem. Por mais longe que se recue no Tempo, é sempre possível encontrar os seus vestígios, como um fio dourado que fez parte do tecido de várias escolas de pensamento no Passado. Houve sempre uma doutrina básica, fundamental, que era espiritual, intelectual, psicológica e ética. Este conjunto de ensinamentos é universal por natureza. É a fonte. Em certas ocasiões, em alguma parte do mundo, envia um raio de luz […], uma remessa periódica de sabedoria antiga sai para o mundo, para formar uma nova religião ou escola filosófica”.

Boris de Zirkoff, numa palestra intitulada “O que é a Teosofia?” (1954)


Fontes:

Exploring Theosophy, Sociedade Teosófica no Brasil, Theosophy Library Online, Theosophy World, The Theosophical Society - Adyar, The Theosophical Society in America, Wikipedia

quarta-feira, 18 de julho de 2007

Registos Akáshicos

"A maldade fala gritando; a bondade, num sussurro"

Provérbio Tibetano

Os Registos Akáshicos, também chamados “O Livro da Vida”, são um conceito teosófico que consiste no conjunto de todo o conhecimento místico, existente num plano de existência não material. O termo Akasha é a palavra sânscrita para "céu", "espaço" ou "éter". Os Registos funcionam como uma espécie de “super-computador universal”, que contém todo o conhecimento do Cosmos, incluindo a experiência humana. Como tal, estão em permanente actualização. Todo o ser vivo e não vivo contribui para estes Registos, e por isso pode ter acesso a eles. Qualquer ser humano pode tornar-se num meio físico de acesso aos Registos ao atingir o estado mental necessário, o que pode ser conseguido através de várias técnicas espirituais como yoga, pranayama, meditação, oração e visualização.

Os Registos Akáshicos contêm toda a história de todas as almas desde o início da Criação, e neles é possível encontrar a génese de todos os arquétipos e mitos que alguma vez ficaram marcados indelevelmente no comportamento e na experiência do Ser Humano. São uma fonte permanente de inspiração, de sonhos e invenções, gerando impulsos de atracção e repulsa entre as pessoas.

O conceito ao longo dos tempos

Na Antiguidade, o nome de uma pessoa era simbólico da sua existência. No Egipto, eliminar um nome de um registo equivalia a fazer desaparecer a existência de uma pessoa! É possível encontrar informação sobre os Registos Akáshicos no folclore, na mitologia e nos Antigo e Novo Testamentos. Esses relatos remontam até aos povos Semíticos, e incluem os Árabes, os Assírios, os Fenícios, os Babilónios e os Hebreus. Cada um destes povos alimentava a crença na existência de algum tipo de “escrituras celestiais” onde estaria registada toda a história da Humanidade, assim como todo o tipo de informação espiritual.

Na Bíblia, a primeira referência (indirecta) aos Registos Akáshicos encontra-se no Êxodo 32:32. Depois de o povo de Israel ter cometido o pecado de adorar o bezerro de ouro, Moisés intercedeu a seu favor, oferecendo-se perante Deus para assumir toda a responsabilidade e ver o seu nome riscado “do Teu livro que Tu escreveste”. Mais tarde, no Salmo 139, David faz referência ao facto de Deus ter escrito tudo sobre ele e a sua vida – até mesmo as suas imperfeições, e aquilo que ainda não fez.



Para muitos, o Livro da Vida é simplesmente um símbolo que tem as suas raízes nos registos genealógicos dos primeiros census. As religiões tradicionais sugerem que o Livro contém os nomes de todos aqueles que merecem a salvação, literal ou simbolicamente. O Livro deve por isso ser aberto aquando de um julgamento divino. No Novo Testamento, apenas aqueles cujo nome está contido no Livro serão redimidos por Cristo; os restantes não entrarão no Reino dos Céus.

Acesso aos Registos Akáshicos


Em tempos mais recentes, uma ínfima parte dos Registos Akáshicos tem sido disponibilizada por indivíduos com uma percepção extra-sensorial invulgar. Uma dessas pessoas foi Helena Petrovna Blavatsky (1831-1891), mística russa que fundou a Sociedade Teosófica:



Akasha é um dos princípios cósmicos e uma matéria plástica, criativa na sua natureza física, imutável nos seus mais elevados princípios. É a quintessência de todas as formas de energia possíveis, material, psíquica ou espiritual; e contem em si a semente da criação universal, que germinou sob o impulso do Espírito Divino.”


in Alquimia e a Doutrina Secreta


Rudolf Steiner (1861-1925), filósofo austríaco e fundador da Sociedade Antropofísica, tinha a capacidade de obter informação que estaria para além do mundo material, num mundo espiritual que era tão real para ele como o mundo físico era para todas as outras pessoas. Steiner alegou que essa capacidade podia ser desenvolvida, permitindo ver acontecimentos e informação tão concretos quanto a realidade presente:


“Um ser humano pode penetrar nas origens eternas das coisas que desaparecem com o tempo. Um ser humano pode deste modo alargar o seu poder de cognição se não mais estiver limitado pela evidência externa, quando se trata do conhecimento passado. Pode então ver o que não é perceptível aos sentidos, aquilo que o tempo não pode destruir. Ele move-se da História transitória para a História não transitória. Na Gnose e na Teosofia, é a chamada “Crónica Akasha” […] Aquele que adquiriu a capacidade de perceber o mundo espiritual toma conhecimento dos acontecimentos passados no seu carácter eterno. Esses eventos não são mais testemunhos mortos da História, mas aparecem vivos, e de certa forma o que já aconteceu torna a acontecer perante os olhos do observador.”


No séc. XX, a maior fonte de informação sobre os Registos Akáshicos provém do trabalho de Edgar Cayce (1877-1945). Cayce atribuiu a origem das suas vidências a duas fontes: a primeira, a mente inconsciente do indivíduo a quem se destinaria a “leitura”; a segunda, os Registos Akáshicos. Nas sessões em que era discutida a História da alma de uma determinada pessoa, Cayce começava com uma declaração do tipo “Sim, temos perante nós os registos da entidade conhecida por ou chamada de [nome da pessoa]”. Cayce descreve o acesso a esses registos da seguinte forma:


“Vejo-me como um pequeno ponto fora do meu corpo físico, que permanece imóvel perante mim. Sinto-me oprimido pela escuridão, por uma sensação terrível de solidão. Subitamente, estou consciente de um raio de luz branca. Enquanto pequeno ponto, sigo essa luz, sabendo a alternativa a segui-la é perder-me. Enquanto me movo pelo caminho da luz, torno-me gradualmente consciente dos vários níveis através dos quais há movimento. Nos primeiros níveis existem formas vagas, grotescas, como as que se vêem em pesadelos. A seguir, começam a aparecer formas humanas, com alguma parte do corpo aumentada. Depois surgem formas com uma espécie de manto acinzentado, movendo-se para baixo. Gradualmente, essas formas tornam-se mais claras, e começam a mover-se para cima. Nessa altura, surgem os contornos de casas, paredes, árvores, etc, mas tudo está estático. À medida que vou passando, há mais luz e movimento, naquilo que parece ser uma cidade normal. Torno-me consciente dos sons, primeiro indistinguíveis, depois música, riso, canto dos pássaros. Há mais luz, as cores tornam-se mais belas, e a música é maravilhosa. Subitamente, estou diante de um grande salão de registos. É um espaço sem paredes, sem tecto, mas vejo um ancião que me entrega um grande livro, o registo do indivíduo sobre o qual pretendo obter informação.”

Relatório da Leitura 294-19


As leituras de Edgar Cayce sugerem que cada um de nós escreve a história da sua vida através dos nossos pensamentos, actos e interacções com o resto da Criação. Essa informação tem um efeito sobre nós aqui e agora. Os Registos Akáshicos têm um impacto tão grande nas nossas vidas, no potencial e nas probabilidades que atraímos para nós, que qualquer acesso que tenhamos a eles pode dar-nos um precioso conhecimento sobre a nossa natureza e a nossa relação com o Universo.

Fontes:

Association for Research and Enlightment
How the Akashic Records Work
Wikipedia


sexta-feira, 13 de julho de 2007

Aleister Crowley


"Uma rosa vermelha absorve todas as cores,
menos a vermelha;
Vermelha, portanto, é a única cor que ela não é.
Essa Lei, Razão, Tempo, Espaço,
toda Limitação, cega-nos à Verdade
Tudo o que sabemos sobre o Homem, Natureza, Deus,
é apenas aquilo que eles não são;
é aquilo que rejeitam como repugnante."

Aleister Crowley, in Liber CCCXXXIII, Cap. 40


Aleister Crowley nasceu Edward Alexander Crowley, a 12 de Outubro de 1875, em Warwickshire, Inglaterra. O seu pai, fervoroso crente dos Brethren de Plymouth (movimento cristão evangélico), falece quando Crowley tinha apenas 12 anos. As tentativas de sua mãe para tomar as rédeas da sua educação religiosa não têm sucesso, e contribuem apenas para criar um crescente cepticismo na mente do jovem Aleister. Em 1895, ingressa no Trinity College de Cambridge, onde estudou Literatura Inglesa durante 3 anos. Nesse período, Aleister corta definitivamente todos os laços que o ligam à religião convencional, mantendo porém uma aparência de crente empenhado.

O final de 1896 fica marcado por um acontecimento que Crowley descreve apenas por meias-palavras, e que o terá levado a ingressar definitivamente nos caminhos do ocultismo e do misticismo. As suas leituras passam a incluir obras sobre alquimia e magia, e levam-no a encarar as ambições mundanas como fúteis e sem sentido – a carreira diplomática que tinha pensado seguir fica definitivamente posta de lado. Um ano mais tarde, Crowley publica o seu primeiro livro de poesia ("Aceldama"), e adere àquela que é provavelmente a mais conhecida ordem mágica de sempre: a Ordem Hermética da Aurora Dourada (Hermetic Order of the Golden Dawn). A ascensão de Crowley na hierarquia da Ordem é relativamente rápida, passando de Neófito (o primeiro grau) a Adeptus Minor (o sétimo grau) em apenas 2 anos.

Em 1900 a Aurora Dourada é destruída por querelas internas, e Crowley prossegue os seus estudos mágicos viajando sozinho pelo México. Desenvolveu um especial interesse pelo Budismo e começou a praticar Raja Yoga. Escreve o ensaio "Berashith" (a primeira palavra do Génesis), onde defende a meditação como meio de atingir o estado mental necessário à realização de magia cerimonial, uma forma de treinar a vontade e de dirigir o pensamento para um único objecto.

Em 1904, uma experiência mística mudaria o rumo da sua vida. Durante umas férias no Egipto, o comportamento estranho da sua esposa Rose leva Crowley a pensar que esta tinha sido contactada por alguma entidade sobrenatural. Seguindo as instruções de Rose, Crowley invoca o deus Horus, que lhe terá dito que um novo Aeon (ou Era) mágico estaria a começar, e que ele seria o seu profeta. Alguns dias mais tarde, Crowley ouve uma voz que lhe dita o texto publicado mais tarde como “O Livro da Lei” (Liber AL vel Legis, ou abreviadamente “AL”). A voz diz ser Aiwass, ministro de Horus, filho de Isis e Osiris, conquistador do novo Aeon, e proclama Crowley como o “príncipe-sacerdote”. O conteúdo do Livro da Lei é críptico, de difícil leitura, dado a várias interpretações. Crowley escreveu sobre ele durante o resto da sua vida, tentando decifrar os seus mistérios, convicto de que se tratava de uma espécie de “tratado espiritual” comparável aos ensinamentos de Buda, Jesus e Maomé, e que deveria ser o fundamento de toda a religião moderna. O método utilizado por Crowley para interpretar AL é eminentemente cabalístico, servindo-se da gematria, técnica que atribui um significado numerológico às palavras em hebraico. A verdadeira origem do livro parece envolta em mistério até para o próprio Crowley. Embora nos primeiros tempos tenha colocado a “improvável” hipótese de Aiwass ser na realidade uma manifestação do seu próprio inconsciente, acaba por reconhecer ao “ministro de Horus” um conhecimento muito superior àquele que o próprio Aleister Crowley poderia alguma vez ter acesso, consciente ou inconscientemente. No livro “Magick Without Tears” (Magia sem Lágrimas), escreve:


“Na altura [da escrita do Livro da Lei], compreendia o suficiente para me assegurar de que o Autor do Livro sabia, pelo menos, tanto da Cabala como eu. Subsequentemente descobri mais do que o suficiente para ter a certeza de que ele sabia muito mais, e de uma ordem muito mais elevada, do que eu. Finalmente, o tempo e o estudo desesperado vieram iluminar muitas passagens obscuras, não deixando quaisquer dúvidas na minha mente de que ele é certamente o supremo Cabalista de todos os tempos.”


Em 1907, Crowley recupera a filosofia da Thelema, utilizando-a como a teoria fundamental por detrás de duas novas ordens: a Ordem da Estrela Prateada, Argenteum Astrum (A∴A∴), e a Ordem do Templo do Oriente, Ordo Templi Orientis (O.T.O.). A palavra Thelema remonta à Grécia Antiga, ao termo que designava vontade, desejo, objectivo. Nos primeiros escritos cristãos era uma referência à vontade de Deus, do Homem, e até do Demónio. A Thelema de Crowley ressuscita a filosofia ficcional de François Rabelais (séc.XVI), e pode resumir-se numa única frase:


“Faz o que quiseres. Que esta seja a totalidade da Lei.”


Na obra de Crowley, esta ideia surge pela primeira vez no Livro da Lei. Com o tempo, acaba por construir em torno deste mote todo um sistema filosófico, místico e religioso, com influências do ocultismo, do yoga e dos misticismos oriental e ocidental (especialmente a Cabala). Em 1920, é fundada a Abadia da Thelema em Cefalù, Sicília: uma espécie de “anti-mosteiro”, cujos habitantes se dedicavam não ao cumprimento de leis, estatutos ou regras, mas sim à vivência plena da sua livre Vontade. Esta ideia utópica serviria de modelo à comuna de Crowley, constituindo por outro lado uma espécie de escola de magia, “Collegiu ad Spiritum Santum” (Colégio do Espírito Santo). O programa do curso aí ministrado é semelhante ao da iniciação na A∴A∴, e inclui adorações diárias do Sol, estudo das obras de Crowley, yoga, rituais variados, e trabalhos domésticos. O objectivo final seria que o estudante se dedicasse ao Grande Trabalho de descobrir e manifestar a sua Verdadeira Vontade.

Entre 1909 e 1913, Crowley edita os 10 primeiros números do Equinox, uma publicação bianual que funcionava como “a voz oficial” da A∴A∴. A sua política editorial tem como objectivo a observação das experiências místicas à luz da crítica científica. Crowley está determinado em divulgar a sua visão do ocultismo, a de que o progresso espiritual não depende dos códigos morais ou religiosos, mas antes funciona como qualquer ciência.


“A Magia pode mostrar os seus segredos ao infiel e ao libertino, da mesma forma que não é preciso ser um sacristão para descobrir um novo tipo de orquídea. Existem, obviamente, certas virtudes necessárias ao Mago; mas são da mesma natureza daquelas que fazem um bom Químico.”
In Magick, Book 4

Com a chegada dos fascistas de Mussolini ao poder, em 1923, Crowley é banido de Itália, mais tarde de França, e na sua Inglaterra natal há muito que os meios de comunicação haviam movido uma autêntica guerra, considerando-o “o homem mais perverso do mundo”. O sistema iniciatório da A∴A∴ incluía magia sexual, e muitas das suas opiniões sobre esse assunto são absolutamente radicais naquela época. Grande parte dos seus poemas e tratados combinam temas pagãos com imagens sexuais homo- e heterossexuais, um verdadeiro atentado à ordem moral e religiosa estabelecidas, e a conservadora sociedade europeia está longe de conseguir tolerá-lo. Felizmente, isso não impede Crowley de continuar a estabelecer bons contactos, entre eles Israel Regardie, outro importante vulto do ocultismo do séc.XX, e um dos principais responsáveis pela preservação do legado da Ordem da Aurora Dourada, após a sua extinção. Em 1928, Regardie torna-se secretário de Crowley, que inicia um período mais introspectivo da sua obra com a publicação dos dois primeiros volumes de “As Confissões”. A colaboração com Regardie termina em 1932, e dois anos mais tarde Crowley é obrigado a declarar falência. Nesse ano de 1934 o seu nome volta às luzes da ribalta, quando perde em tribunal um importante processo que havia movido contra a artista Nina Hamnett, por tê-lo chamado de “mago negro” numa das suas obras. Tornaram-se célebres as alegações finais do advogado de Hamnett, Justice Swift:

“Estou envolvido na administração da Lei há 40 anos […]. Pensei que já tinha visto toda a forma concebível de malvadez. Pensei que tudo o que era vil e mau já me havia sido mostrado, numa ou noutra vez. Aprendi neste caso que podemos sempre aprender algo mais se vivermos o tempo suficiente. Nunca ouvi nada tão horrível, blasfemo e abominável como aquilo que foi dito pelo homem [Crowley] que se auto-intitula ‘o maior poeta vivo’.”


Nos anos seguintes, e apesar das dificuldades “mundanas”, Crowley permanece activo enquanto autor, publicando “O Equinócio dos Deuses” (1937), “Oito Lições de Yoga” (1939), “O Livro de Thoth” e respectivo baralho de Tarot (1944) – uma das suas obras mais reconhecidas actualmente. O seu último trabalho escrito, “Magick without Tears”, constituído por 80 cartas para vários estudantes de Magia, só seria publicado em 1954, a título póstumo.


Aleister Crowley deixa este Mundo em 1 de Dezembro de 1947, com 72 anos, vítima de infecção respiratória. A morte do seu médico acompanha a sua, num intervalo de menos de 24 horas, coincidência que os jornais da altura atribuíram a uma maldição do próprio Crowley, pelo facto de o médico se ter recusado a prescrever-lhe opiáceos. Para a História fica a obra de um dos homens mais odiados do seu tempo, figura enigmática e polémica, cujo legado continua e continuará sempre a influenciar a Magia e o Ocultismo Ocidentais.

“Consigo imaginar-me no meu leito de morte, pleno de luxúria para tocar o outro Mundo, como um rapaz que pede a uma mulher o seu primeiro beijo”.
Aleister Crowley
Fontes:
O Mago das Mil Faces, por Carlos Raposo

domingo, 8 de julho de 2007

And so it goes...

Namasté!

O contador marca 1359 visitantes desde 13 de Abril de 2007. Continuo sem ter o feedback que gostaria, mas pelo menos ainda nenhum dos 1359 se queixou! (excepto, talvez, os muitos que hão-de ter cá vindo parar por engano ;-) As actualizações não têm sido tão frequentes quanto gostaria, mas nem sempre é possível abordar estes temas de uma forma minimamente profunda e simultaneamente rápida de produzir! Adicionei uma lista de links onde tive oportunidade de aprender coisas muito interessantes. Infelizmente, não há muito na net em língua portuguesa com a seriedade que seria desejável, por isso tive de recorrer a sites em inglês. Parabéns ao blogger Edil Carvalho pelas suas "Coordenadas Celestes",uma ideia recente que espero tenha continuidade.

And so it goes.

Próximo post: Aleister Crowley, pai do ocultismo moderno, e "o homem mais malvado do mundo"!